Na última semana de maio, o governo dos Estados Unidos emitiu um novo alerta de segurança para cidadãos norte-americanos em viagem ao Brasil, citando o risco de sequestro como uma das ameaças mais graves. A medida, frequentemente criticada por autoridades brasileiras como “exagerada” ou “sem embasamento”, encontra, no entanto, amplo respaldo na realidade nacional — onde sequestros se tornaram uma prática comum, violenta e cada vez mais diversificada. O método inclui vigilância sobre a rotina das vítimas, cooptação de parcerias de pessoas próximas interessada em ganhar parte do resgate, que quase nunca vem, pois as vítimas são, frequentemente, mortas por espancamento e estupros múltiplos por dinheiro, sendo executadas, por fim.
O principal crítico da recomendação dos Estados Unidos, há menos de seis meses da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025- COP30, que receberá delegações estrangeiras, inclusive, dos Estados Unidos, sede da ONU, foi o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), mesmo partido do governador do estado que sediará a reunião, em Belém do Pará, o emedebista Helder Barbalho.
“Acho que eles deram um declaração sem embasamento. Eu ando por todas essas cidades todos os dias, e a gente não vê falar de sequestro. Até os sequestros relâmpago que existiam no passado desapareceram”, disse o governador Ibaneis Rocha, dois dias após a emissão da recomendação.
Nos últimos meses, ao menos cinco casos de alta gravidade expuseram o avanço desse tipo de crime contra civis, jornalistas e até figuras políticas. Enquanto o Brasil insiste em preservar a aparência de normalidade institucional, cresce o número de vítimas atingidas por sequestros relâmpago, extorsões, sumiços prolongados e atos de tortura cometidos por grupos armados — de facções a criminosos de colarinho branco.
1. Crime no interior paulista:
O caso mais recente veio à tona nesta quinta-feira (29/5), quando a Polícia Civil prendeu Natacha Ariboni, de 31 anos, em Tatuí (SP). Ela é suspeita de participar do sequestro do próprio namorado, o empresário Valério Valdrighi, ocorrido no dia 4 de abril. Segundo as investigações, a vítima foi rendida e levada por criminosos, permanecendo sob cárcere enquanto a família recebia exigências de resgate.
A prisão de Natacha, que mantinha um relacionamento com Valdrighi, reforça a complexidade emocional e psicológica que esses crimes vêm assumindo — muitas vezes cometidos por pessoas próximas e com envolvimento direto no planejamento da extorsão.
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2. Presidente do PV na Bahia sequestrado na sede do partido:
Duas semanas antes, no dia 14 de junho, o presidente estadual do Partido Verde na Bahia, Ivanilson Gomes, foi retirado à força por homens armados de dentro da sede da legenda em Salvador, no bairro do Rio Vermelho. O dirigente partidário foi mantido em cativeiro por mais de 24 horas e libertado no dia seguinte. Um suspeito foi preso. O caso chocou pela audácia dos criminosos e pela ausência de resposta imediata das forças de segurança estaduais.
3. Jornalista do Senado sofre tentativa de sequestro na Esplanada:
Em Brasília, no dia 16 de junho, uma jornalista que atua no Senado escapou por pouco de um sequestro enquanto pedalava no fim da tarde. O crime ocorreu dentro do perímetro de Segurança Nacional, a menos de 1 km da residência oficial do presidente da República. O autor, disfarçado de motoboy, tentou imobilizá-la, mas foi frustrado pelos gritos da vítima, que conseguiu fugir. A tentativa, ainda sem prisão de suspeitos, evidencia falhas graves no policiamento de uma das zonas mais vigiadas do país.
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4. Brasiliense é identificado por facção rival no Rio de Janeiro
Ainda sem desfecho, o caso de Fabrício Alves Monteiro, desaparecido desde o Carnaval no Complexo da Penha (RJ), adiciona uma camada de crueldade ao debate. Sequestrado com o primo e um amigo, apenas ele permaneceu sob poder dos criminosos após integrantes de uma facção encontrarem, em seu celular, mensagens ligadas a um grupo rival. Informações extraoficiais apontam que ele pode ter sido torturado e mutilado, e até hoje não se sabe seu paradeiro. O caso é investigado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Banalização do horror
Mesmo com a crescente exposição dos casos, autoridades brasileiras frequentemente negam a gravidade da situação, alegando que se trata de “ocorrências pontuais” ou “narrativas alarmistas”. A reação oficial ao alerta dos EUA é reveladora: ao invés de revisar seus protocolos de segurança ou adotar medidas emergenciais, o país segue reagindo com negação e desprezo às estatísticas reais da violência.
Na prática, porém, os sequestros já não escolhem mais perfil nem território: acontecem no sertão e no centro do poder, contra empresários, jornalistas e lideranças políticas, praticados por facções ou familiares. A impunidade, aliada à fragilidade das investigações e da presença estatal, cria o cenário ideal para a expansão desse tipo de crime.