Enquanto a Amazônia, uma das regiões mais essenciais para a regulação climática do planeta, aguarda pela realização da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas – COP30, a ser realizada em Belém, no Pará, em novembro de 2025, a população local se pergunta o que a conferência deixará de legado. Entre os principais problemas está o fato de que não é mais possível falar sobre preservação ambiental e desenvolvimento sustentável para a região sem admitir a abrangente presença de facções criminosas nacionais e estrangeiras em território amazônico.
Desde as décadas de 1980 e 1990, a floresta tropical tem sido uma rota estratégica para o narcotráfico, o que facilitou a expansão de organizações criminosas não apenas brasileiras, mas também de países vizinhos como Colômbia, Peru e Venezuela. A partir da assinatura do acordo de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), em 2016, o cenário ficou ainda mais complexo, com a fragmentação das FARC e o surgimento de facções dissidentes que têm atuado com crescente violência e transnacionalismo. Esse movimento de fortalecimento de facções estrangeiras na região, especialmente na Amazônia brasileira, tem levado a uma escalada de crimes ambientais e sociais, impactando a vida das comunidades locais e a preservação da floresta.
Ainda na década de 1980, a região servia como uma rota crucial para o tráfico de cocaína, e o poder das FARC, um dos maiores cartéis de drogas da história da América Latina, era imenso. As FARC mantinham um controle sobre diversas áreas do interior da Colômbia e das fronteiras amazônicas, facilitando o cultivo de coca e o tráfico internacional. Mesmo após a assinatura do acordo de paz em 2016, essas facções continuaram a operar na Amazônia, pois muitos combatentes rejeitaram a desmobilização e se reconfiguraram como facções dissidentes.
O relatório “Cartografias da Violência na Amazônia”, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, fornece uma análise detalhada sobre as facções criminosas que atuam na região da Amazônia e os impactos de suas ações. Este estudo é fundamental para entender a dinâmica do crime organizado, especialmente após a assinatura do acordo de paz entre o Governo colombiano e as FARC em 2016.
O processo de fragmentação das FARC resultou em uma intensificação da violência. As dissidências, como a Frente Carolina Ramírez, se consolidaram na Amazônia. Originada no contexto do desarmamento das FARC, a facção é uma das principais dissidências que se estabeleceram na região amazônica, onde continuam a controlar rotas de tráfico de drogas e outras atividades ilegais, como a mineração de ouro e a extração ilegal de madeira. Assim, há pelo menos uma década, a Amazônia brasileira também tem sido palco para a atuação documentada de outras facções estrangeiras, que disputam o controle das rotas e dos recursos naturais da região.
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Frente Carolina Ramírez: surgiu em 2016, após a fragmentação das FARC, e está presente em áreas como o município de Japurá, localizado na fronteira com a Colômbia, no Amazonas – declarado área de segurança nacional – e outras partes da Amazônia colombiana. Sua atuação está diretamente ligada ao tráfico de cocaína, além de envolvimento na mineração ilegal de ouro, especialmente em áreas de difícil acesso.
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Frente Acácio Medina: Também uma dissidência das FARC, está presente em municípios como São Gabriel da Cachoeira (Amazonas), e se especializa em atividades ilícitas como o tráfico de armas e drogas, além de sua participação na extração ilegal de madeira e minerais.
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Exército de Libertação Nacional (ELN): Outra organização colombiana, que se expandiu para a Amazônia brasileira e peruana, especialmente em estados como Roraima. O ELN também se envolve em atividades de tráfico de drogas e mineração ilegal, e se alia a facções brasileiras, ampliando seu poder e controle na região.
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Tren de Aragua: Uma facção venezuelana que, recentemente, tem se consolidado em Roraima, e se envolveu em uma série de crimes violentos, como tráfico de drogas, extorsão e controle de atividades ilegais de mineração.
Essas facções não apenas competem pelo controle de rotas de tráfico de drogas, mas também participam ativamente da exploração ilegal de recursos naturais, agravando os impactos ambientais na região, como a contaminação dos rios com mercúrio e o desmatamento ilegal. A mineração de ouro, por exemplo, tem sido um dos principais motores dessas facções, uma vez que ela gera grandes lucros, mas causa uma destruição irreparável do ecossistema da Amazônia.
Evidências e impactos ambientais
A presença dessas facções na Amazônia tem gerado consequências devastadoras tanto para as populações locais quanto para o meio ambiente. As violências e ameaças contra comunidades indígenas e ribeirinhas aumentaram, com relatos de extorsão e controle coercitivo das facções sobre essas populações. A expansão da mineração ilegal é uma das atividades mais prejudiciais, com milhares de hectares de floresta sendo desmatados para a exploração de ouro. O uso de mercúrio na mineração ilegal contamina os rios e afeta a saúde de milhares de pessoas.
Além disso, o tráfico de drogas alimentado por facções estrangeiras tem contribuído para o aumento da violência e da insegurança em cidades e vilarejos amazônicos, dificultando a presença do Estado e o controle das atividades ilegais. A colaboração entre facções estrangeiras e grupos criminosos brasileiros, como o PCC, ampliou ainda mais o poder desses grupos, estabelecendo uma rede de tráfico e exploração ilegal de recursos naturais que atravessa a fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.
Um dos dados mais alarmantes é a presença das facções registradas pelas autoridades nos municípios da região, ainda de acordo com o relatório “Cartografias da Violência na Amazônia”. De acordo com o documento, o crime organizado estão presentes em 178 das 772 cidades da Amazônia Legal, o que representa 24,6% dos municípios da região – ou seja, quase um a cada quatro. Além disso, em 80 dessas cidades, há intensas disputas entre facções, que disputam o controle de rotas de tráfico de drogas e recursos naturais.
A presença dessas organizações criminosas tem gerado um aumento significativo na violência na Amazônia Legal. A taxa de mortes violentas na região é 45% maior do que a média nacional, com o estudo apontando uma correlação direta entre o aumento da disputa entre facções e o crescimento da violência desde 2016. Esse ano marca a intensificação da fragmentação das FARC após o processo de paz, o que resultou na criação de diversas facções dissidentes que se estabeleceram em áreas estratégicas da Amazônia. Esses grupos não só controlam o tráfico de drogas, mas também se envolvem em atividades como mineração ilegal e extração de madeira, tornando a Amazônia um terreno fértil para o crescimento do crime organizado.
O aumento da violência e da presença de facções criminosas na Amazônia Legal coloca em risco a segurança das populações locais e exacerba a exploração ilegal dos recursos naturais, agravando ainda mais os desafios ambientais e sociais da região.