Onze anos depois de ajudar a desmantelar redes de exploração sexual infantil no país, a pré-candidata ao Senado e deputada federal, Érika Kokay (PT-DF), retorna ao epicentro de um confronto com o clã Adail — agora, em um cenário político completamente transformado. A CPMI do INSS, recém-criada para investigar fraudes e irregularidades bilionárias contra aposentados e pensionistas, marca o reencontro entre a parlamentar petista e Adail Filho (Republicanos-AM), herdeiro político de um sobrenome ainda marcado por escândalos.
Mas, diferentemente de 2014, quando ocupava o papel de voz moral inabalável na CPMI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, Kokay chega a essa nova comissão enfraquecida politicamente, pressionada pela reconfiguração do Congresso e sob questionamentos sobre sua influência real no processo investigativo.
Inversão de papéis. O risco de uma derrota na narrativa contra o clã Adail desgasta a autoridade moral que ela construiu em Brasília, principalmente com a classe média que valoriza “CPIs contra corrupção”. Sob o risco de não alcançar protagonismo, Érika enfrentará seu pior cenário diante de um escândalo que eclode no atual governo, diante de oponentes tradicionais.
Na CPI de 2013, Kokay teve papel central ao denunciar o poder local em Coari, tendo o nome de Adail Pinheiro, então prefeito e líder do grupo político mais influente na cidade do petróleo e do gás, acusado de chefiar um esquema de aliciamento de menores. A atuação da parlamentar, combinada com os trabalhos da comissão, resultou na prisão e posterior condenação do ex-prefeito por estupro de vulnerável.
Agora, o filho do ex-prefeito, Adail Filho, ocupa assento na CPMI do INSS. E, ao contrário do passado, chega fortalecido — blindado por alianças com bancadas de centro-direita, protegido por sua narrativa de “renovação” e impulsionado por uma base regional sólida.
Adail Filho tem se posicionado com habilidade para manter distância pública dos escândalos do pai. Em Brasília, evita o confronto direto com Kokay, lembrando que sua atuação atual se dá num Congresso em que o moralismo seletivo da classe média pesa mais que o histórico de militância. Ele, por exemplo, assinou o pedido de instalação da CPMI. Ela, não!
Desgaste de imagem
Kokay enfrenta dificuldades em recuperar o mesmo prestígio de quando atuou em CPIs anteriores. Embora sua trajetória seja marcada por pautas de direitos humanos e enfrentamento de estruturas de poder corruptas, parte da opinião pública que outrora a via como símbolo de integridade agora questiona sua capacidade de influenciar CPIs mesmo num cenário de polarização e esvaziamento do campo progressista no Congresso.
Assim, a imagem de autoridade moral que se construiu com coerência, mas também com capacidade de articulação política, finalmente, está mais difícil para Kokay. Há ainda quem aponte que sua aproximação com setores partidários desacreditados pela classe média teria enfraquecido sua base simbólica.
Campo de batalha: INSS
A CPMI do INSS promete ser um palco de disputas intensas, com foco em quebras de sigilo bancário, convocações de ex-ministros, investigação de instituições financeiras e serviços com o INSS. Os trabalhos devem se intensificar entre agosto e dezembro, quando se espera a entrega de um relatório preliminar.
Enquanto isso, o clã Adail, longe de estar na defensiva, se projeta nacionalmente. Adail Filho evita o confronto direto com Kokay, mas capitaliza o passado como narrativa superada. Em perspectiva, a história já julgou o que tinha que julgar, restando a responsabilidade para com o futuro.
O reencontro entre Kokay e o clã Adail é parte desse campo político simbólico — não apenas por suas trajetórias cruzadas, mas pelo novo contexto político que testa a resistência da memória coletiva, da coerência e da autoridade moral no ambiente parlamentar. Em 2014, uma CPI desfez o silêncio e levou um poderoso à prisão. Em 2025, a dúvida é: quem sairá com mais força deste novo embate? O passado voltou para cobrar seu preço, mas o futuro também dependerá das decisões de Kokay.