Quais os riscos de realização da COP-30, terceiro megaevento no Brasil durante um governo do PT?

Dez anos após a realização da Copa do Mundo de 2014, sucedida pelos Jogos Olímpicos no Brasil em 2016, o país se prepara para sediar o terceiro megaevento durante uma gestão do Partido dos Trabalhadores (PT), a COP-30, em novembro de 2025, em Belém, no Pará.
Foto: Ricardo Stuckert (PR)

Dez anos após a realização da Copa do Mundo de 2014, sucedida pelos Jogos Olímpicos no Brasil em 2016, o país se prepara para sediar o terceiro megaevento durante uma gestão do Partido dos Trabalhadores (PT), a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30), prevista para ocorrer em novembro de 2025. Com isso, crescem as expectativas quanto ao preparativo, a inclusão das agendas nacionais e o legado que a reunião global de líderes pelo meio ambiente deixará para a cidade-sede Belém, capital do Pará.

Os dois primeiros megaeventos, ocorridos durante a gestão da presidente Dilma Rousseff (PT), voltados ao mundo dos esportes, representaram duelos entre movimentos sociais organizados e o governo federal, por sua vez, focado em atender o agendamento ambiental assumido com financiadores como a Federação Internacional de Futebol (Fifa) e o Comitê Olímpico Internacional (COI).

Já a COP ocorrerá durante o também terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o primeiro sob sua égide (idealizador das duas primeiras), às vésperas das eleições presidenciais de 2026, sob forte pressão para que o país se transforme em protagonista contra as mudanças climáticas, diante de enormes e persistentes dilemas sociais.

A decisão de sediar esses eventos não foi ao acaso. Fez parte de uma agenda mais ampla, colocada em prática pelo então presidente Lula e sua equipe diplomática, responsáveis pela apresentação do projeto de cidades-sede para os megaeventos esportivos que conquistou as agendas globais, que visava mudar a forma da política externa brasileira, buscando assumir um papel de maior destaque nas relações internacionais, diversificando parcerias e alianças. A realização de megaeventos, então, seria estratégica, por se tratar de reuniões de curta duração, com apelo internacional de público e investimentos, e muito midiática. Portanto, podendo gerar opiniões positivas ou negativas sobre o país.

Até a atualidade, persistem críticas ao chamado legado da Copa e das Olimpíadas, especialmente, quando se tratam das questões sobre os impactos sociais e ambientais dos megaeventos já realizados. A convulsão social ocasionada pelo cenário de insatisfações que culminaram em conflitos em “Junho de 2013,” com militantes nas ruas assumindo risco de vida para pedir um “legado padrão Fifa” para Educação, Saúde e Transporte Público, formularam o ápice das tensões entre governo e sociedade. Na cidade de São Paulo, no estado homônimo, formou-se o movimento dos “0,20 centavos”, que questionava o aumento do valor do transporte público naquela capital diante de investimentos no Estádio do Morumbi, do São Paulo Futebol Clube, numa trajetória de manifestações de grande volume popular.

Neste cenário, é de fundamental importância ressaltar que, no Congresso Nacional, estava posto o debate sobre o Estatuto do Nascituro, garantindo direitos àquele que há de nascer, ou seja, ao feto. Com isso, consequentemente, a questão envolvendo pesquisas científicas com células-tronco colocaram em choque parlamentares progressistas e conservadores.

Assim, em 2013, ano véspera de realização da Copa e também das eleições presidenciais que garantiram o segundo mandato de Dilma, formou-se o cenário para uma crise política sem precedentes envolvendo Ciência, Política, Religião e Futebol no Brasil, temas considerados proibidos em rodas de conversa informais. Porém, pela primeira vez, debatidos ao mesmo tempo por toda a população.

Legado dos megaeventos

Dez anos depois da Copa do Mundo de 2014, o tema ambiental deixa de ser pano de fundo da demanda da Copa do Mundo e dos movimentos sociais preocupados com o meio ambiente diante de obras e remoções, para assumir o centro dos debates, ocasionando uma inversão inédita nas negociações entre governos e sociedade. Se antes, por exemplo, a legislação ambiental era recurso para barrar obras, finalmente, é fundamental para que elas prossigam.

Diante da iminente realização da chamada COP-30, prevista para ocorrer em novembro de 2025, na cidade de Belém, no Pará, o debate sobre “o legado da COP” já começou. Durante a reunião da 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ocorrido no início do segundo semestre deste ano na Universidade Federal do Pará (UFPA), pesquisadores especializado no tema se reuniram para o debate na mesa-redonda “COP no Brasil e os dilemas da cidade sede”.

Para eles, a escolha de Belém (PA) como sede da COP-30 carrega uma série de contradições que podem levar ao mesmo resultado da Copa do Mundo realizada no Brasil dez anos atrás, em 2014.

A pesquisadora Olga Lúcia Castreghini de Freitas, professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), destacou que os principais indicadores de desenvolvimento humano e urbano da cidade de Belém contrastam com o conceito de sustentabilidade que norteia a COP. Entre os problemas, estão o elevado índice de informalidade no trabalho da população – seis em cada dez pessoas, a maior do país – e o acesso a saneamento: apenas 71% da população tem água encanada, 60% tem rede de esgoto e apenas 3,5% deste é tratado.

Freitas ressaltou a importância do legado, comparando com outros megaeventos realizados no país, como os esportivos. “Legados têm sempre uma potência discursiva muito grande em que ninguém se coloca contra, permite convencer os habitantes de que todos os gastos são aceitáveis”, afirmou.

Entre os exemplos de “deslegados”, a pesquisadora citou as obras lançadas para a Copa de 2014 depois sucateadas, como o VLT de Cuiabá (MT), que custou R$ 1 bilhão e nunca funcionou; o estádio Arena da Amazônia, em Manaus, no Amazonas; o Aeroporto de Natal, no Rio Grande do Norte, o primeiro a ser concedido a iniciativa privada e o primeiro a ser devolvido ao governo federal por não ser lucrativo; e o Parque Olímpico no Rio de Janeiro, que está prometido para entrega neste ano, 2024, dez anos depois de anunciado.

Ressaltando outros aspectos sociais, Freitas trouxe a reflexão de que a região amazônica foi uma das mais afetadas pela pandemia de Covid-19, sem respostas à altura dos governos no campo da saúde pública, nem durante, nem após a infecção que deixou a capital do Amazonas sem oxigênio.

Também já estão evidentes impactos ambientais. A pesquisadora Roberta Menezes Rodrigues, diretora da Faculdade de Arquitetura da UFPA, apontou que está em curso uma espécie de “greenwashing urbanístico”, uma limpeza urbana verde, destacando uma obra recém anunciada para desafogar o trânsito em Belém na COP30, cujo projeto prevê passar no meio Parque Ecológico Gunnar Vingren, uma das últimas áreas verdes da capital paraense. “O enorme investimento em uma logica rodoviarista, em contradição com os objetivos da COP”, pontuou.

Além disso, as iniciativas do governo federal para suprir parte da rede hoteleira e o incentivo à abertura de quartos de hospedagem dentro da plataforma AirBnB também são motivo de crítica. “Vejo com preocupação (…), parece uma solução fácil e rápida, mas temos visto como as cidades têm se colocado contra essa lógica pelo tipo de turismo que ele consolida”, disse. Ela se referia à resistência de cidades como Berlin e Barcelona ao modelo AirBnb que acaba por pressionar o mercado de aluguéis da cidade, intensificando o processo de gentrificação.

Por fim, a geógrafa Helena Lúcia Zagury Tourinho, vice-residente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Pará e professora da Faculdade de Arquitetura da Universidade da Amazônia (UNAMA), analisou o impacto dos preparativos para a COP sobre o Centro Histórico de Belém (CHB). Tourinho apresentou um mapeamento dos investimentos no CHB, que já envolveu totalizam US$ 1 bilhão, mas que privilegiam o entorno e não o centro em si, mantendo imóveis subutilizados ou abandonados aos quais o mercado não tem interesse. “Parece haver uma tentativa de empurrar ainda mais e derrubar a legislação de preservação do CHB”, analisou.

Cadastre-se e receba nossa newsletter