De galerosos a faccionados: prisão de adolescentes impulsiona revoltas em presídios do Amazonas, culminando em massacres por esquartejamento

Desde o início dos anos 2000, os presídios do Amazonas têm sido cenário de intensas rebeliões e massacres brutais, com o registro cada vez mais frequente de esquartejamento como método de tortura e extermínio entre os grupos. A violência, porém, tem suas raízes na ascensão de facções criminosas locais e no crescente envolvimento de adolescentes nas gangues de rua, os chamados galerosos, cujas prisões catapultaram uma nova era de revoltas e assassinatos nas unidades prisionais.
Montagem agência Brasil/Massacre presídios Amazonas. https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2017-01/imprensa-internacional-repercute-massacre-em-manaus-e-critica

Desde o início dos anos 2000, os presídios do Amazonas têm sido cenário de intensas rebeliões e massacres brutais, com o registro cada vez mais frequente de esquartejamento como método de tortura e extermínio entre os grupos. A violência, porém, tem suas raízes na ascensão de facções criminosas locais e no crescente envolvimento de adolescentes nas gangues de rua, os chamados galerosos, cujas prisões catapultaram uma nova era de revoltas e assassinatos nas unidades prisionais.

O termo “galerosos” é utilizado para se referir a jovens, frequentemente com idades entre 10 e 30 anos, envolvidos em gangues de rua em Manaus, inicialmente envolvidos em conflitos por respeito e pertencimento, que adotaram nomes como Selvagens ou Anjos. Na virada do milênio, muitos desses adolescentes começaram a se envolver em crimes como furtos, roubos e tráfico de drogas, passando a ser presos. Em 2000, apenas uma operação policial prendeu mais de 400 adolescentes.

A superlotação dos presídios, combinada com a falta de infraestrutura e programas de ressocialização, gerou um ambiente fértil para a formação de facções, sendo que a mais notória delas, a Família do Norte (FDN), que começou a ser identificada por volta de 2007, após as primeiras grandes rebeliões.

Ainda nos anos 2000, esses jovens galerosos, ao serem presos, se viram inseridos em um sistema carcerário dominado por facções com forte controle sobre o tráfico de drogas na região. Logo, muitos deles se tornaram peças-chave na estrutura dessas facções, inicialmente como simples membros e, com o tempo, assumindo funções mais relevantes, como líderes de grupos por áreas específicas, alimentando as guerras entre grupos criminosos.

A partir de então, ocorre um outro fenômeno, com o início de rebeliões em presídios, que passaram a registrar mortes e culminam em massacres de apenados de grandes proporções, registrados pela imprensa internacional. A violência dentro das prisões do estado se intensificou conforme as facções foram ganhando poder, com o principal estopim sendo a disputa pelo controle do tráfico de drogas e das rotas fluviais da região Norte.

As primeiras grandes rebeliões registraram violência entre grupos e mortes, inclusive, e agentes políticos institucionais, :

  • 2002 – Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj): Uma das rebeliões mais notórias desse período ocorreu em 25 de maio de 2002, resultando na morte de 13 pessoas, incluindo um agente penitenciário. A rebelião foi liderada por Gelson Carnaúba, conhecido como “Mano G”, e marcou o surgimento da facção criminosa Família do Norte (FDN). Ele, juntamente com Zé Roberto da Compensa e Fernandes Barbosa, é considerado um dos principais criadores da organização, que surgiu em Manaus, tanto em presídios quanto nas periferias da cidade. Em setembro de 2022, a 2.ª Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Manaus julgou e condenou os réus Gelson Lima Carnaúba e Marcos Paulo da Cruz, acusados da morte de presos e de um agente penitenciário no dia 25 de maio de 2002, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, crime que ficou conhecido como a “Chacina do Compaj”. O trabalho envolveu mais de 40 servidores e culminou na condenação a pena em regime fechado entre 30 e 48 anos de prisão.

  • 2004 – Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa: Em outubro de 2004, uma rebelião resultou na morte de três detentos. As causas apontadas foram superlotação e condições precárias da unidade. Não há registros de esquartejamentos nesse incidente.

  • 2006 – Compaj: O complexo volta a registra rebelião de grande porte. Houve relatos de violência, motivada por repressão a lideranças internas e transferências de presos. No entanto, não há informações confirmadas sobre esquartejamentos nesse evento.

A partir de então, as rebeliões em presídios passam a registrar mutilações e mortes por esquartejamento, sendo armas brancas utilizadas nos crimes, inclusive, terçados ou facões. Os métodos extremos de violência passam a ser  amplamente relatados ou confirmados pelas autoridades ou pela mídia. 

 1. Janeiro de 2017 – Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ)

Em 1º de janeiro de 2017, o COMPAJ, em Manaus, foi palco de uma das maiores tragédias do sistema prisional brasileiro. Uma rebelião eclode no primeiro dia do ano, com membros da facção Família do Norte (FDN) liberando um ataque contra integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC), que resultou na morte de 56 detentos.

A maioria das vítimas foi decapitada ou esquartejada, e seus corpos foram espalhados dentro e fora da unidade, num ataque que durou mais de 17 horas. A motivação foi a disputa por território e controle do tráfico na região Norte, especialmente pelas rotas fluviais de drogas. O episódio escancarou o poder das facções dentro dos presídios e a fragilidade do Estado em garantir o controle do sistema penitenciário.

Esse massacre teve repercussão nacional e internacional, sendo descrito como um “tribunal do crime” interno, e deu início a uma sequência de rebeliões em outros estados nos dias seguintes.

  • Mortes: 56 presos.

  • Modus operandi: Muitos foram esfaqueados, decapitados e esquartejados, com corpos espalhados pelo pátio da unidade.

  • Motivo: Guerra entre a Família do Norte (FDN) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).

  • Destaque: Considerada a segunda maior chacina carcerária da história do Brasil, só atrás do Massacre do Carandiru (1992).

  • Imagens e vídeos circularam na época, causando forte comoção nacional e internacional.

2. Maio de 2019 – Presídios de Manaus (várias unidades)

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados enviou diligência a Manaus para averiguar informações sobre a ocorrência de um massacre executado em diversas penitenciárias da cidade. No relatório, o grupo explicita os objetivos. “Averiguação das condições dos presídios e diálogos com autoridades e comunidade local sobre os massacres ocorridos em presídios em Manaus nos dias 26 e 27 de maio de 2019, sendo 19 mortos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, 25 no Instituto Penal Antônio Trindade, 6 na Unidade Prisional do Puraquequara e 5 no Centro de Detenção Provisória Masculino, totalizando 55 assassinatos”, diz o documento.

O relatório diz que a presença de facções criminosas não é o principal motivo para a onda de violência de presídios no estado. “A existência de facções criminosas não explica, por si só, a ocorrência de massacres de tal monta. A maior superlotação carcerária do Brasil, as condições insalubres a que são submetidos presos e visitantes, a terceira maior proporção de prisões provisórias, a ausência de trabalho, funcionários despreparados, a provável prática de tortura (considerando que não são permitidas conversas reservadas com os presos e que sequer a defensoria pública faz visitas regulares): esses fatores aumentam a pressão sobre a massa carcerária e favorecem o ambiente propício à ocorrência de massacres. Isso sem contar em falhas crassas no tocante à segurança pública, como câmeras de segurança sem funcionamento”, explicam.

E aponta que a privatizações da gestão dos presídios, embora em prédios federais, foi um dos fatores que levaram a rebeliões. “Outra peculiaridade do Amazonas é a gestão privada: os serviços que presta são altamente deficitários (o que se confirma pelos termos de ajustamento de conduta realizados), os presídios que gere produzem os piores massacres prisionais da história recente, seu custo é altíssimo, e ainda assim o Executivo a evidente necessidade de mudança de modelo de gestão”, avaliou.

  • Mortes: 55 presos em dois dias, em diferentes unidades: COMPAJ, Centro de Detenção Provisória de Manaus (CDPM I) e Unidade Prisional Puraquequara (UPP).

  • Método: A maioria foi morta por asfixia ou perfurações com escovas de dentes afiadas, mas também houve relatos de mutilações e tentativas de esquartejamento.

  • Motivo: Conflito interno na própria FDN, com um grupo tentando se impor como liderança.

3. Nesse contexto, outras rebeliões ocorrem em dois estados vizinhos ao Amazonas: 

  • Altamira (PA) – 2019: 62 mortos na rebelião do Centro de Recuperação Regional. Corpos foram carbonizados e decapitados. O episódio teve semelhanças com Manaus, envolvendo o Comando Vermelho.

  • Boa Vista (RR) – 2016: Rebelião na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo deixou 33 mortos. Muitos foram esquartejados e decapitados — também por conflitos entre PCC e FDN.

Assim, o registro de casos de eliminação de presidiários por esquartejamento marca a evolução do método do uso do facão em conflitos violentos. Originalmente recorrentes entre os galerosos, o método passou a ser adotado pelas facções criminosas, fato registrado tem massacres em penitenciárias no Amazonas. A partir de então, novos agentes políticos institucionais são flagrados utilizando o método, também em massacres, como no ocorrido no Rio Abacaxis, motivo para outra reportagem.

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