COP30: criação de Centro de Bioeconomia em Belém contraria meta federal para o CBA, em Manaus

Em vez de reforçar a integração regional e fortalecer uma rede amazônica de centros complementares, o governo pode estar fomentando uma duplicidade institucional que dificulta a consolidação de estratégias de longo prazo. Embora o novo centro em Belém esteja sendo apresentado como instrumento de transformação urbana e social em resposta à COP30, sua implantação sem coordenação com o CBA sinaliza fragilidade na governança da política de bioeconomia no Brasil.
Imagem: casarão localizado na avenida 15 de Novembro com a travessa Frutuoso Guimarães, na Praça das Mercês. Foto: Gabriel Della Giustina/COP30

A criação de um Centro de Inovação em Bioeconomia em Belém, anunciada como uma das obras-símbolo da COP30, pode comprometer os esforços do governo federal para consolidar o Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), sediado em Manaus, como referência nacional em bionegócios. O novo empreendimento integra o legado prometido pela conferência climática e pretende fomentar o desenvolvimento científico, social e econômico da região paraense, segundo comunicado oficial da organização da COP30.

Enquanto isso, o CBA, criado em 2002, segue operando com sérias limitações estruturais. O prédio onde está instalado apresenta sinais visíveis de deterioração, com problemas de manutenção, infiltrações e equipamentos defasados. Ao longo dos anos, o centro sofreu com indefinições jurídicas, falta de orçamento estável e dificuldade de atrair pesquisadores permanentes. Apenas em 2021 o governo federal formalizou sua vinculação à Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), permitindo a retomada parcial das atividades e o início de um esforço institucional para reerguer a estrutura. Ainda assim, o CBA segue distante do que se espera de um centro de referência.

Mesmo diante das dificuldades, em 2024, foi apresentada a meta de consolidar o CBA como polo de excelência em bionegócios, bioeconomia e inovação aplicada na Amazônia brasileira. A meta foi reafirmada pela Suframa e pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), que vêm buscando parcerias com universidades e o setor produtivo. Em entrevista ao portal RealTime1, a direção do centro destacou o papel do CBA como elo entre ciência e mercado, com foco na agregação de valor aos produtos da biodiversidade amazônica.

A decisão de criar um centro semelhante em Belém levanta dúvidas quanto à articulação e à coerência da política federal para o desenvolvimento sustentável da região. Ambas as iniciativas têm como foco a bioeconomia e o uso estratégico da biodiversidade, o que sugere possível sobreposição de funções, especialmente em um cenário de recursos públicos limitados e grande demanda por resultados concretos.

Os recursos para a construção do Centro de Inovação e Bioeconomia de Belém (CIBB), que abrigará cerca de vinte startups serão oriundos do Convênio 71, em que estão também abarcadas a compra de um barco movido a hidrogênio, ações de educação ambiental e a reforma de Unidades de Valorização de Recicláveis (UVRs).

“A realização da COP em Belém nos coloca diante de uma responsabilidade histórica, que é transformar a cidade em um exemplo de como o desenvolvimento pode ser guiado por princípios de sustentabilidade, justiça social e inovação. Nesse sentido, obras como esta, especialmente no âmbito deste Centro, representam mais do que investimentos em infraestrutura. São a materialização de um legado articulado à educação ambiental, gestão de resíduos sólidos e inovação em bioeconomia”, destaca Olmo Xavier, diretor de Infraestrutura da Secretaria Extraordinária para a COP30 (SECOP) da Casa Civil da Presidência da República.

O novo centro, inclusive, será instalado em prédio a ser restaurado, no Casarão Higson, no centro histórico da cidade, com vista para o Rio Guamá, em frente ao Mercado Ver-o-Peso, considerado uma das maiores feiras livres da América Latina. O prédio, assim conhecido por ter sediado por cerca de cinco décadas uma empresa de mesmo nome, é tombado nas esferas municipal, estadual e federal e, agora, é reformado para valorizar os saberes tradicionais e impulsionar oportunidades à comunidade local.

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Em vez de reforçar a integração regional e fortalecer uma rede amazônica de centros complementares, o governo pode estar fomentando uma duplicidade institucional que dificulta a consolidação de estratégias de longo prazo. Embora o novo centro em Belém esteja sendo apresentado como instrumento de transformação urbana e social em resposta à COP30, sua implantação sem coordenação com o CBA sinaliza fragilidade na governança da política de bioeconomia no Brasil.

A expectativa é que o governo federal esclareça como pretende articular as duas iniciativas para evitar desperdício de recursos e garantir que ambas contribuam de forma complementar — e não concorrente — para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.

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