No 1º Encontro Nacional de Castanheiras e Castanheiros, em 2019, na cidade de Xapuri, no Acre, a jovem coletora de castanhas da Reserva Extrativista Chico Mendes, Raiara de Barros (@raiara_barros13), emocionou os presentes ao ler a carta deixada por Chico Mendes aos “jovens do futuro”.
No texto, Chico Mendes imaginava um mundo unificado sob um ideal socialista, onde as injustiças do passado seriam apenas uma lembrança distante:
“Atenção, jovem do futuro – 6 de setembro do ano de 2120, aniversário ou primeiro centenário da revolução socialista mundial, que unificou todos os povos do planeta num só ideal e num só pensamento de unidade socialista, e que pôs fim a todos os inimigos da nova sociedade. Aqui ficam somente a lembrança de um triste passado de dor, sofrimento e morte. Desculpem. Eu estava sonhando quando escrevi estes acontecimentos que eu mesmo não verei. Mas tenho o prazer de ter sonhado.”
A trajetória de Chico Mendes, seringueiro e líder sindical, assassinado em 1988, foi marcada pela luta em defesa da Amazônia e dos direitos dos povos tradicionais. Sua ascensão como uma das vozes mais influentes do movimento socioambiental brasileiro teve entre seus aliados Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda era um jovem metalúrgico do ABC paulista quando conheceu Chico Mendes.
A conexão entre os dois se fortaleceu quando Wilson Pinheiro, líder do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasileia e Xapuri, foi brutalmente assassinado por fazendeiros, em 21 de julho de 1980, nas dependências da sede sindical. Lula compareceu ao velório poucos dias depois e, em um discurso inflamado, declarou: “Tá na hora da onça beber água”, o que foi interpretado como um chamado à reação dos trabalhadores contra a pressão de fazendeiros em guerra pelo território, levando seringueiros e outras categorias extrativistas a reagir em confrontos contra grupos armados.
Esse discurso resultou na inclusão de Lula, Chico Mendes e outros sindicalistas em um processo com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), um dos principais instrumentos da Ditadura Militar para reprimir opositores políticos. A LSN, criada para punir crimes considerados uma ameaça à “segurança do Estado”, foi amplamente usada contra líderes sindicais e ativistas.
Naquele momento – julho de 1980 -, Lula já havia sido preso pela ditadura por 31 dias, após ser detido durante uma greve no ABC Paulista, onde organizava os trabalhadores metalúrgicos em suas lutas por melhores condições de trabalho. A prisão ocorreu no 4 de março de 1980, no contexto da repressão às greves, com o regime militar utilizando métodos de intimidação para deter a crescente mobilização popular, catapultando o então sindicalista a líder popular com reconhecimento nacional e internacional. Mesmo após a sua libertação, Lula continuou sendo perseguido pela ditadura, e sua presença no velório de Wilson Pinheiro, junto com o seu discurso, foi mais um motivo para ser alvo de repressão.
Após o assassinato de Wilson Pinheiro, Chico Mendes assumiu a liderança do movimento em Xapuri e organizou uma resistência contínua contra a repressão dos fazendeiros e a violência do Estado. Ele se destacou pela habilidade em articular a união entre seringueiros, indígenas e ribeirinhos para a criação da Reserva Extrativista Chico Mendes, estabelecida em 1990, que se tornou um marco na proteção ambiental e na defesa dos direitos dos trabalhadores da Amazônia. Estava criado o movimento dos Povos da Floresta, que mobilizou a sociedade acreana em defesa dos direitos das populações desses territórios contra a pressão externa.
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A Reserva Extrativista Chico Mendes foi uma das primeiras áreas de proteção ambiental no Brasil a ter como base o conceito de uso sustentável dos recursos naturais, permitindo que as comunidades tradicionais continuassem a viver da extração de produtos da floresta, como a castanha, o açaí e o látex, de forma que a exploração fosse equilibrada com a preservação ambiental. Essa reserva representou uma vitória histórica para o movimento seringueiro e ajudou a consolidar Chico Mendes como um símbolo da luta pela Amazônia.
Infelizmente, o 20 de dezembro de 1988 marcou a morte de Chico Mendes, assassinado em Xapuri, quando ele tinha apenas 44 anos. Seu assassinato, orquestrado por fazendeiros da região, foi um golpe brutal à sua luta, mas também solidificou sua imagem como mártir da causa ambientalista.
Assim, a relação entre Chico Mendes e Lula simboliza a aliança entre o movimento operário urbano e os trabalhadores rurais da Amazônia, ajudando a dar visibilidade internacional à luta dos povos da floresta. O legado de Chico Mendes segue vivo, inspirando novas gerações a resistirem e lutarem por um mundo mais justo e sustentável.